Icone coração Doações Icone coração Ouvidoria

Desinstitucionalização transforma pacientes em cidadãos

01 de September de 2005
A separação de mãe e filho, Anísia Rosa dos Santos e João José de Jesus, ocorreu há 52 anos, na cidade de Castro Alves (interior da Bahia) e ninguém mais acreditava que houvesse possibilidade de reencontro. “Todo mundo me dizia que eu não ia nunca mais ver esse meu filho”, contou dona Anísia, de 75 anos, há dois anos moradora do Centro Geriátrico Júlia Magalhães, das Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador. “Eu não poderia deixar de procurar minha mãe e cuidar dela. Eu sei que ela teve que me deixar por falta de condições”, disse o aposentado João José, de 54 anos, morador da cidade de São Roque, interior do estado de São Paulo. Entre o reencontro, no dia 14 de agosto, e a ida para a cidade de São Roque, dia 27 do mesmo mês, foram resolvidos todos os trâmites legais, compra de passagem de avião e verificação do parentesco pelo serviço social do Centro Geriátrico. A vida sofrida de ambos não os impediu de alimentar e fortalecer o sonho do reencontro. A história cheia de percalços resultou, mesmo após 52 anos de afastamento, numa bela história de fé e reinserção familiar. Mas as circunstâncias desse processo não são comuns a outros 30 casos registrados nos últimos dois anos no Centro Geriátrico. Reinserção cidadã - O Centro Geriátrico, o Centro de Reabilitação e Prevenção de Deficiências (CRPD) e o Centro Médico Social (CMSALP) da OSID registram, desde 2003, 67 reinserções realizadas. Na maioria dos casos, a tentativa de contatos com familiares do paciente, convencimento e negociação parte da instituição, num processo que não se faz tão simples como o ocorrido recentemente no núcleo geriátrico. Segundo os profissionais das unidades, é muito comum os familiares dos pacientes acharem normal que eles passem o resto de suas vidas em um ambiente hospitalar. Entre as alegações mais comuns para a recusa em acolher de volta o familiar está a falta de condições financeiras para arcar com os cuidados necessários a um idoso, portador de necessidade especial ou paciente social. A OSID iniciou no primeiro semestre de 2005 um processo sistematizado de reinserção gradual dos moradores que têm condições de retornar ao convívio familiar e social e possuem um grau satisfatório de autonomia. A filosofia do trabalho não se limita ao retorno ao convívio familiar pois é fundada na concepção de desinstitucionalização, que prevê o acolhimento de pacientes sociais em um ambiente externo ao do hospital – não necessariamente o da família. Em paralelo estão sendo implantados novos projetos que vão ampliar a rede de atendimento extra-hospitalar das Obras e que incluem, por exemplo, a construção de casas lares para os idosos e portadores de necessidades especiais sem referência. A líder do Centro Geriátrico, Terezinha Pacheco, destaca como maior meta do processo a construção desses espaços, de preferência num local próximo às Obras, onde os idosos continuem tendo a atenção de uma equipe multidisciplinar. Para dar suporte ao trabalho no Centro Geriátrico serão ampliados os serviços do Hospital Geriátrico e do Centro Dia e criada uma unidade de reabilitação e no CRPD duplicada a oferta de serviços ambulatoriais à comunidade. O processo se baseia no entendimento de que muitos moradores que não são doentes e têm um bom nível de independência em suas tarefas teriam uma melhor qualidade de vida fora da instituição. A concepção se estrutura em diretrizes dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social e privilegia conceitos como os da cidadania e humanização. Sob esta ótica, a reinserção não significa o desligamento do morador da instituição, mas sim a possibilidade de maior autonomia e de reforço de seus laços afetivos. “Só a doença é motivo para internação. A pobreza de familiares não pode ser apontada como motivo para não tentar a reinserção”, comenta a líder do CRPD, Laura Queirós. No caso do CMSALP, a líder Maria Del Carmen destaca a importância do trabalho para retirar do âmbito hospitalar, um ambiente de doença e morte, alguém que apenas precisa recuperar sua cidadania e o contato com a família. Laura Queirós, ressalta que, no caso de portadores de necessidades especiais, os cuidados para o processo de desinstitucionalização devem ser maiores. “Realizamos quatro reinserções em 2004 e apenas duas esse ano. Porque não adianta encaminhar um paciente que hoje é morador sem que a família esteja preparada para recebe-lo. E é preciso também preparar este paciente para deixar a instituição”, explica.
Desinstitucionalização transforma pacientes em cidadãos